Muitas mulheres relatam que conseguiram lidar bem com o facto de terem realizado um aborto. Já outras poderão sentir como se estivessem a lutar contra os seus sentimentos ou que atravessam um período de confusão. A intensidade destas emoções dependerá de cada mulher: das suas crenças, atitudes, sistemas de apoio e das circunstâncias próprias da sua vida.
Segundo Speckhard et al., 2011, o aborto é normalmente considerado como um mecanismo para lidar com o elemento que provoca o estresse – neste caso, a gravidez indesejada. Porém, este poderá vir a tornar-se num fator de estresse que desencadeie diversos tipos de sentimentos mais negativos.
Ainda na mesma publicação, Speckhard et al., 2011 menciona que quando as respostas de estresse pós-traumático após um aborto começaram a ser documentadas, originou-se alguma controvérsia nos EUA relativamente à possibilidade de que o aborto pudesse ser um fator de estresse. Hoje em dia a situação ainda se verifica, principalmente nos grupos que criminalizam o aborto. Já aqueles que defendem a prática realçam que as condições já existentes antes do aborto (saúde mental debilitada, relações amorosas abusivas, imposição, etc.) são os principais (ou únicos) gatilhos de estresse que se revelam após um aborto, e não a própria experiência da terminação em si[1].
Com isto o que pretendemos dizer é que estes aspetos que afetavam o bem-estar da mulher antes do processo tornam a mulher mais vulnerável a sentir maiores níveis de estresse após o aborto.
Relativamente à experiência do aborto, com ou sem vulnerabilidades já existentes, estas poderão fazer com que a mulher sofra um pouco mais depois do procedimento, principalmente se esta tiver sido traumatizante.
Studies of post abortion trauma reveal that there are clear pre-disposing factors of women who are most likely to experience their abortion as traumatic. One indicator is subjectively recognizing human life in the embryo or fetus (defining a “fetal child”), which defines the abortion as involving a death event.
Speckhard et al., 2011
Para além destas razões já descritas, existem outras variantes que poderão motivar uma maior sensação de assoberbamento:
- Residir num país com leis restritivas ou proibitivas em relação ao aborto pode assustar à mulher. O medo de ser julgada ou de ser descoberta pode levar às mulheres a situações de maior angústia antes e depois do procedimento. As ideias que se propagam nestes países criam o conceito de que o aborto é assassinato e que a mulher está a cometer um crime. É normal que isto afete a paciente;
- Questões religiosas poderão estar também ligadas aos pressupostos políticos que se opõem aos movimentos pro-choice (= pró-escolha, isto é, a favor do aborto), mas as crenças religiosas de cada mulher acabam por influenciar também negativamente os seus sentimentos (por exemplo, quando lhe é incutido que abortar é pecado);
- Os hormônios da gravidez que se mantêm após a IVG têm a capacidade de influenciar os pensamentos e as atitudes da mulher.
Tendo em conta que não existe divulgação suficiente que aborde este assunto, é normal que algumas mulheres não saibam exatamente o que pensar/sentir ou como lidar com as sensações. Se este for o seu caso, é importante que você fale com alguém em quem confie plenamente. Se você sentir que precisas do seu tempo para lidar com os seus sentimentos, então faça uso dele e tente encontrar-se sem esquecer que:
- A sua decisão foi importante e você a tomou pensando em você. Se você acha que a melhor altura para ter filhos não é esta e que quer mesmo levar a cabo o aborto, então foi porque você se colocou em primeiro lugar e pensou no que era melhor para a sua vida. É nisso em que você precisa de se concentrar;
- Você não é má pessoa por ter feito um aborto. Por vezes são as opiniões “externas” as que mais nos deitam abaixo, mas só você é que percebe as razões que lhe fizeram tomar esta decisão e não é positivo deixar que opiniões negativas afetem;
- Os seus hormônios podem estar a falar mais alto e por isso você precisa de dar um tempo para que eles voltem aos níveis de não grávida.
Specific aspects of abortion can also make it traumatic. An abusive partner, or controlling parents may coerce a woman into an unwanted abortion. Young women who fear social condemnation may abort pregnancies they wished to keep out of fear of rejection by parents, peers or society.
Speckhard et al., 2011
É importante que você não se isole. Tente arranjar alguém de confiança e, ao seu ritmo, tente também explicar as suas emoções. Ter alguém que apenas ouça pode ser uma grande ajuda. Pense que um dia mais tarde poderá ser você a ajudar a alguém que tenha passado pela mesma situação.
You might feel you are able to talk with one or two of your closest family or friends. Sometimes our friends and family are more supportive than what we expect.
Department of Health, Government of South Australia, 2018[2].
Do lado oposto da moeda, e porque cada caso é um caso, grande parte das mulheres sente alívio após a realização do aborto. Alívio porque foram capazes de tomar uma decisão, porque o estresse agora faz parte do passado ou porque o processo já está concluído e agora podem concentrar-se nos seus planos futuros. Não obstante, esta sensação de alívio poderá surgir mais tarde, depois da mulher ter tirado um tempo para si e para assimilar a experiência pela qual passou.
Well-designed studies on women’s overall psychological well-being before and after abortion, however, provide evidence that most women’s well-being does not deteriorate after an abortion.
Munk-Olsen et al., 2011 & Gilchrist et al., 1995 apud Foster et al., 2012[3]
Dito isto, é muito pouco provável que você sinta estresse após um aborto devido ao próprio procedimento, no entanto, se você tem um passado com depressão, falta de apoio, problemas com o seu parceiro ou se se encontrar numa situação de abandono (por parte do parceiro, familiares ou pessoas próximas) e após o aborto se sente mais sensível ou abatida, tente encontrar alguém que possa lhe apoiar e que não julgue. Como já aconselhamos antes, não se isole e tire essa carga dos seus ombros. Não se esqueça de dar tempo ao seu corpo para que os hormônios voltem aos níveis prévios à gravidez, visto que eles poderão ser os responsáveis pelos sentimentos menos positivos que você possa ter.
Documentos para download:
How woman anticipate coping after an abortion
Emotional responses after an abortion
Mental Health and Abortion: APA Task Force on Mental Health and Abortion
After an Abortion: Dealing with Difficult Feelings
Referências:
[1] Speckhard A, Rue V. Abortion Trauma. Encyclopedia of Trauma, 2011. Disponível em: https://www.academia.edu/10302492/Abortion_as_Trauma_
[2] Emotional responses after an abortion. Pregnancy Advisory Centre – Government of South Australia, 2018. Disponível em: https://www.sahealth.sa.gov.au/wps/wcm/connect/70191d8044910fd889e79d961f150c7f/Final+Emotional+Responses+after+an+abortion+2018.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=ROOTWORKSPACE-70191d8044910fd889e79d961f150c7f-mEue90T
[3] Foster D, Gould H, Kimport K. How women anticipate coping after an abortion. Contraception. 2012 Jul; 86(1):84-90. Disponível em: https://www.ansirh.org/_documents/library/foster_contraception_12-2011.pdf
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