Pontes et al., 2012, afirma que o conhecimento sobre ervas medicinais simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos, e dessa forma, usuários de plantas medicinais de todo o mundo, mantém a prática do consumo de fitoterápicos, tornando válidas informações terapêuticas que foram sendo acumuladas durante séculos […]. Isto ajuda-nos a perceber que o tema do aborto não é um assunto recente e que antigamente também existiam métodos para levar a cabo este procedimento.
Na Antiguidade Clássica, a antiga colônia grega de Cirene possuía uma economia baseada quase inteiramente na produção e exportação da planta Silphium, um poderoso abortivo. Chamada de laserpicium ou laser, esta era uma planta bastante dispendiosa, sendo inclusive vendida ao mesmo preço que a prata, segundo Kiehn, 2008[1]:
According to recent literature, papers and internet articles one can get the impression that Silphion was THE most important plant for birth control in ancient times.
O Silphium figurou de forma tão proeminente na riqueza de Cirene, que chegou até a aparecer nas moedas lá cunhadas. O Silphium, que era nativo apenas desta parte da Líbia, foi colhido de forma tão excessiva pelos gregos que acabou por extinguir-se. No entanto, esta teoria padrão tem sido contestada por um grande número de cientistas que defendem que a extinção poderá ter acontecido devido a fatores climáticos, argumentando que esta teoria poderá tratar-se de uma tentativa de desinformação, já que a receita era efetivamente feita com várias ervas e não apenas com uma.
Ainda no presente, as plantas são usadas em substituição dos medicamentos. Curiosamente, o aborto não foge à regra. Segundo Souza, 2013[2]:
O emprego de plantas medicinais como método abortivo torna-se uma prática baseada na cultura popular, desprovida de qualquer tipo de conhecimento a respeito de possível toxicidade, mutagenicidade ou efeito teratogênico de muitos compostos presentes em plantas. A falta de conhecimento da toxicidade de espécies utilizadas habitualmente pode levar a consequências sérias, já que algumas espécies podem apresentar algum tipo de efeito lesivo ou substâncias nocivas, causando distúrbios ao organismo pelo contato ou ingestão.
Antiga moeda de prata de Cirene representando um talo de Silphium.
KYLIX: BIBLIOTHÈQUE NATIONALE / ARCHIVES CHARMET / BRIDGEMAN ART LIBRARY
Arcesilas II, Rei de Cirene 560-550 aC, observando a pesagem e o carregamento de Silphium para exportação no século VI aC. Do grego Kylix ou copo de bebida.
Na Austrália aborígene, plantas como Madidum Cymbidium, Petalostigma Pubesces, Eucaliptos e Gamofila eram usadas como abortivos. Noutros casos, o Erythropleum Chlorostachyum era usado para defumar o corpo ou a vagina. Com o cristianismo e nomeadamente com a influência da Igreja Católica na sociedade europeia, todos os responsáveis por fornecer ervas abortivas foram considerados bruxos, sendo, inclusive, muitas vezes perseguidos.
Médicos muçulmanos medievais documentaram listas detalhadas e extensas sobre as práticas de controlo de natalidade, incluindo o uso de abortivos, comentando a sua eficácia e prevalência. O uso de abortivos era aceitável para os juristas islâmicos, desde que o aborto ocorresse no prazo de 120 dias, momento no qual se considera que o feto se torna totalmente humano e em que receberá a sua alma.
Já na legislação inglesa, o aborto não era considerado ilegal até 1803. Nos abortivos usados por mulheres na Inglaterra do século XIX (que não eram necessariamente seguros ou eficazes) incluíam-se o diachylon, sarvin, cravagem do centeio, poejo, olmo, noz-moscada, ruda, cebola do mar e hiera picra.
Documentos para Download:
SILPHION “…multis iam annis in ea terra non invenitur…” Monika Kiehn
THE STORY OF ABORTION: ISSUES, CONTROVERSIES AND A CASE FOR THE REVIEW OF THE NIGERIAN NATIONAL ABORTION LAWS
CHAPTER ONE A HISTORICAL BACKGROUND OF ABORTION
Plantas medicinais abortivas utilizadas por mulheres de UBS: etnofarmacologia e análises cromatográficas por CCD e CLAE
Referências:
[1] Kiehn M. SILPHION “…multis iam annis in ea terra non invenitur…”. European Botanic Gardens in a Changing World: Insights into EUROGARD VI. 2008. Disponível em: http://www.botanicgardens.eu/eurogard/eurogard6/kiehn_silphion.pdf
[2] Souza M, Tangerina M, Silva V, Vilegas W, Sannomiya M. Plantas medicinais abortivas utilizadas por mulheres de UBS: etnofarmacologia e análises cromatográficas por CCD e CLAE. Rev. Bras. Pl. Med., Campinas, v.15, n.4, supl.I, p.763-773, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpm/v15n4s1/18.pdf
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