Até agora apenas temos falado sobre o Misoprostol e sobre a sua utilização off-label enquanto abortivo (caso queiras ver ou rever o tema, podes clicar no seguinte link: O que é Misoprostol?). No entanto, ainda não aprofundamos a informação em torno do RU486 – conhecido de forma bastante comum como Mifepristone (ou Mifepristona).
Se já abriste algum dos documentos em PDF que disponibilizamos em grande parte dos tópicos relacionados com as dúvidas, então deves ter percebido que alguns mencionam o nome deste fármaco como uso em conjunto com o Misoprostol. Aqui iremos explicar-te para que serve este medicamento.
O conceito de terminação da gravidez através do método químico (ou farmacológico) teve início com a descoberta das Prostaglandinas e da sua respetiva estrutura química, por parte do Professor Sune Bergström, em 1960, e continuou com o desenvolvimento dos análogos das Prostaglandinas. O Mifepristone seria o passo seguinte. Trata-se de uma antiprogesterona cujo mecanismo de ação consiste em bloquear os efeitos da progesterona (hormona necessária para manter uma gravidez). Foi descoberta pelo cientista francês Etienne-Emile Baulieu no início da década de 80 e ficou inicialmente conhecida também como RU486 (RU: Nome dos laboratórios franceses que desenvolveram o fármaco e 3846: composto 38.486 =RU486).
Mais tarde Marc Bygdeman descobriu que que a junção de antiprogesteronas e de prostaglandinas poderia ser mais vantajoso para a realização de um aborto, já que as primeiras aumentavam a sensibilidade do útero às Prostaglandinas. Desta forma, a partir de 1988, o Mifepristone e o Misoprostol começaram a ser usados em conjunto na realização de abortos químicos em França e na China[1].
Portanto, e uma forma muito simples, o Mifepristone prepara o útero ao deixa-lo sensível às prostaglandinas e ao bloquear uma hormona necessária para manter a gravidez – a progesterona[2]. Induz também o amolecimento do colo do útero, aumentando a eficácia das prostaglandinas[3] (neste caso sintéticas, como o Misoprostol) na concretização de um aborto.
Imagem 1: o efeito do Mifepristone nos tecidos. In: Early Medical Abortion, 2012[4].
Contudo, enquanto o uso do Misoprostol de forma isolada tem vindo a revelar-se eficaz, o mesmo não se verifica com o Mifepristone, que precisa obrigatoriamente do Misoprostol para finalizar uma gravidez, pois sozinho, este fármaco não expulsa o conteúdo da gestação.
Mifepristone alone is not an effective abortifacient and has a high risk of ongoing pregnancy.
Clinical Policy Guidelines for Abortion Care, 2018.
Dependendo do país, o Mifepristone apenas poderá ser tomado nas primeiras semanas da gravidez. Em alguns países esse período vai apenas até às 6 semanas. Já segundo a Organização Mundial de Saúde[5], este medicamento é eficaz até o máximo de 9 semanas.
Em alguns países o seu uso não se encontra aprovado e, segundo a OMS, este é um medicamento que requer monitorização médica. De facto, foram reportadas algumas mortes após o início de procedimentos de aborto e que se encontram relacionadas com o surgimento de uma infeção:
- Junho de 2008 – Manon Jones, uma estudante de 18 anos de idade, proveniente de Caernarfon, País de Gales, tinha seis semanas de gravidez quando tomou as pílulas de RU-486. Posteriormente começou a sentir-se tonta e começou a sangrar de forma anormal. A jovem foi internada no hospital na semana seguinte, onde continuou a sangrar. Foi colocada em suporte básico de vida e acabou por falecer. O exame postmortem mostrou uma contagem de sangue muito baixa, e também que tinha, no seu ventre, restos fetais.
- Setembro de 2010 – Um centro de controlo de doenças relatou no New England Journal of Medicine, a morte de uma mulher latino-americana de 29 anos, em 2008. A mulher morreu de choque séptico causado por uma infeção por Clostridium Sordellii depois de ter tomado RU-486. Uma mulher caucasiana de 21 anos de idade, também morreu com as mesmas complicações devido à ingestão da droga, em 2009.
The bacteria [Clostridium Sordellii] can be treated with antibiotics, but the effect of the toxins—exotoxic shock—is not reversible with antibiotics alone[6].
Gynuity Health Projects, 2006
Portanto, e respondendo à tua pergunta, não precisas de tomar RU486 – ou Mifepristone. Como já referimos, é um medicamento que exige supervisão médica e cujos riscos podem ser altos para a gestante. Para além destes motivos, o Misoprostol tem a capacidade de funcionar sozinho no processo de aborto, e não precisa de ser complementado pelo Mifepristone.
Alertamos para as fraudes que existem em torno da venda de Mifepristone na Internet. Existem pessoas que se fazem valer de esquemas ilícitos para obter ganhos das mulheres que se encontram a passar por um mau momento. Desesperadas, e a querer ver-se livres do problema, estas acabam por cair no golpe, sofrendo as consequências de terem sido roubadas ou até de terem recebido um medicamento falso. Não te esqueças, a tua segurança e a tua saúde são o mais importante.
Documentos para download:
RU 486 – American Journal of Public Health, 1992
MEDICATION GUIDE Mifeprex – (mifepristone)
Mifeprex® (mifepristone): FDA Approves Updated Labeling
Referências:
[1] Facts about Mifepristone (RU-486). National Abortion Federation, 2008. Disponível em: https://5aa1b2xfmfh2e2mk03kk8rsx-wpengine.netdna-ssl.com/wp-content/uploads/facts_about_mifepristone.pdf
[2] Medication guide. Mifeprex. Federal Drug Administration, 2016. Disponível em: https://www.fda.gov/media/72923/download
[3] Nagaria T, Sirmor N. Misoprostol Vs Mifepristone and Misoprostol in Second Trimester Termination of Pregnancy. J Obstet Gynaecol India. 2011 Dec; 61(6): 659–662. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3307930/
[4] Fiala C, Cameron S, Carmo-Bombas TA, Gemzell-Danielsson K, Parachini M, Shojai R, Sitruk-Ware R. Early medical abortion a practical guide for healthcare professionals. 2012. Disponível em:https://www.spdc.pt/files/publicacoes/Early_medical_abortion.PDF
[5] Essential Medicines and Health Products Information Portal. World Hearth Organization. Disponível em: http://apps.who.int/medicinedocs/en/d/Js7918e/5.1.2.html
[6] Frequently Asked Questions about Fatal Infection and Mifepristone Medical Abortion. Gynuity Health Projects, 2006. Disponível em: https://gynuity.org/assets/resources/factsht_technicalfatalinfectionma_en.pdf
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